Ano bissexto: história de mitos, ciência e vaidades
Ao longo do tempo, a partir da observação do nascer e do ocaso do Sol e da cíclica mudança de fases da Lua, os homens passaram a perceber que poderiam utilizar esses astros como forma de medir o tempo de modo a prever, de maneira segura, as mudanças climáticas e suas repercussões no desenvolvimento de suas atividades, principalmente a agricultura. Isto fez surgir o que conhecemos hoje como calendário.
Diferentes povos na história da humanidade criaram seus próprios calendários, tendo como principal base o Sol e a Lua. Sendo assim, os babilônicos, os egípcios, os gregos, tinham sua própria forma de contar o tempo. Como nosso interesse neste artigo é o de discutir o surgimento do ano bissexto (2004 é bissexto), iniciaremos falando sobre o primeiro calendário Romano.
O Calendário Romano primitivo possuía 10 meses de 30 ou 31 dias, totalizando 304 dias, o que determinava uma falta de sincronia na relação estações x calendário civil, ocasionando, por exemplo, a época correta para o plantio e colheita. Mais tarde, sob o governo de Numa Pompilo, foi introduzido o ano lunar, com 355 dias distribuídos em 12 meses, sendo acrescentados os meses de januarius, deus de duas caras e februarius, deus dos infernos e das purificações, com o ano romano começando em março. Quando resolveram sincronizar o ano com as estações, instituíram que, entre os dias 24 e 25 haveria, a cada 2 anos, a intercalação de um décimo terceiro mês, chamado Marcedônius. Contudo, a sistemática de intercalação foi delegada aos sacerdotes que, nem sempre o faziam da forma correta, gerando uma grande defasagem de dias.
Para sincronizar o calendário com as estações e evitar que novas falhas viessem a ocorrer, o astrônomo alexandrino Sosígenes, no ano 45 a.C. assessorou o Imperador Júlio César, introduzindo 90 dias ao ano de 45 a.C., que passou a ter 455 dias. Desta forma, Júlio César acertou o calendário e impôs que janeiro, e não março, fosse o início do ano. Para eliminar a intercalação do décimo terceiro mês, Júlio César redistribuiu pelos 12 meses os 11 dias que faltavam ao ano lunar, para que ele se transformasse em solar, criando o Calendário Juliano.
Como o ano Juliano passava a ter 365,25 dias e o ano solar tem aproximadamente 365,2422 dias, seria adicionado a cada 4 anos um dia a mais no mês de fevereiro, que passou a ter 30 dias, em lugar de 29. Por ter corrigido o calendário, o senado homenageia o imperador, determinando que o mês “Quintilis” (o quinto mês), fosse chamado de Julius.
No entanto, as intercalações não foram rigorosamente feitas até por volta de 8 d.C, sendo no governo do imperador Otávio Augusto que elas passaram a ser feitas. Por este motivo, recebeu reconhecimento do senado, que rebatizou o mês Sixtilis (sexto mês) para Augustus, em sua homenagem. Porém, o imperador não aceitou que o mês de Julho tivesse 31 dias e o seu (Agosto) apenas 30. Sendo assim, o mês de fevereiro cedeu 1 dia a Sixtilis, ficando esse com 31 dias e fevereiro com 28 (ou 29 dias nos anos bissextos). Entretanto, essa redistribuição de dias fez os meses de julho, agosto e setembro ficarem com 31 dias. Para melhorar a redistribuição dos meses de 31 dias, subtraíram 1 dia de setembro e de novembro, passando-os para outubro e dezembro, resultando na atual distribuição de dias pelos meses.
Algumas pessoas acreditam que estes anos são chamados de bissextos por terem duas vezes o número 6 na contagem dos dias (366), algo que não é verdade.
A origem mais provável é explicada da seguinte forma: o dia representativo do início de cada mês no calendário romano era chamado “calendas”. Era costume inserir-se o dia intercalado após o dia 24 de fevereiro, ou seja, 6 dias antes do início das “calendas” de Março. Assim, esse dia era contado 2 vezes. Era o sexto dia antes das calendas de Março, do Latim “bis sextum ante diem calendas martii”. Aí está o tal “bis sextum”, que virou bissexto.
No Calendário Juliano, o ano tropical totaliza 365,25 dias. Contudo, o ano tropical é de 365,2422 dias, ocasionando um erro de aproximadamente 1 dia a cada 128 anos. Esse erro acumulado fez o Papa Gregório XIII reformar o calendário. A Bula Papal de fevereiro de 1582 decretou que 10 dias deveriam ser suprimidos de outubro de 1582, fazendo com que 15 de outubro viesse imediatamente após 4 de outubro.
Em seu decreto, estabeleceu que cada ano divisível por 4 seria bissexto, exceto os anos divisíveis por 100. Estes, apenas o seriam, caso também fossem divisíveis por 400. Assim, O Papa Gregório XIII modifica o calendário Juliano, criando o ano não bissexto nos finais dos séculos não múltiplos de 400 e o Calendário Gregoriano usado até hoje.
Os anos bissextos não são vistos com bons olhos por alguns povos, que acreditam serem anos de mau agouro, trazendo guerras, calamidades, inundações e causando sofrimentos a todos. Mitos e tradições também envolvem estes anos: as pessoas que nascem no dia 29 de fevereiro em geral são registradas na data anterior ou posterior ao nascimento, para não haver problemas quanto à emissão de documentos. Outra tradição divertida surgiu na Escócia, por volta do ano de 1288 e permaneceu até o início de século XX, determinando que quando o ano fosse bissexto, as mulheres teriam o direito de escolher, dentre os solteiros, aquele que queriam para marido. Caso o escolhido não aceitasse o casamento, teria que pagar uma multa, de acordo com suas posses.
Entretanto, análises históricas demonstram que os anos bissextos não justificam tal estigma. Assim, é mais prudente acreditar que cabe aos homens determinar os rumos de 2004.